9 de maio de 2009

Preparação para as cores

Os órgãos do poeta
são inadaptáveis ao vôo.
Seu longo intestino
uma odisséia entre o seu cu e sua boca.



O dorso nulo da vaca entorta a faca sem sangrar a lâmina ou balançar o rabo. No açougue morei três anos. Sim, a narrativa é linear. Imiscuído e variegado. Plurissentido unhívoco do navegar.
Faço então uma preparação para as cores, pois a faca é minha amiga, com ela hei de me pintar. Ontem planejei um suicídio e foi por isso que me veio à cabeça um composto de cores para enfeitar penhascos.
Não vos enganarei descabaçados leitores. Queria mesmo era disfarçar-me dos abismos como a bem conhecida pequena rã, que denominarei vulgarmente perereca, a qual com sua cor verde torna se invisível entre os pentelhos dos cristais e assume um semitom virginal sobre a cauda preta, uniformemente apodrecida do piano na partida sala de estar.
Queria mesmo era ser regurgitado pela vertigem ser sêmem fora da faringe
fecundando-me ao ar das ambiciosas banalidades. Quem sabe assim a tranqüilidade e glória dos hominídeos com cara de pato. Tendo portando a oportunidade de fitar-me no espelho e ver porra nenhuma.
Mas no nosso inferno meu claro Ícaro. A cera é sempre líquida. Não nos é permitido o mimetismo por cólera ou por amor. E nossa angústia nos revela camuflados no fogo.
E nossa paixão nos anuncia amantes-carrapatos transfundindo almas sem mamar na faca.
É com leveza, com absoluta leveza, escuro Romiéri, que no dorso puro da vaca nos aninhamos. Flor, absinto e estardalhaço na noite crua do espanto. Afinal, canto o podre porque nascemos.


Romiéri e Ícaro.